domingo, 31 de agosto de 2008

Audiência pública

"A audiência pública no processo administrativo"

Evanna Soares

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-graduada em Direito Processual. Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho.

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Sumário:

1 INTRODUÇÃO. 2 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 2.1 O que é uma audiência pública? 2.2 Audiência pública e democracia. 2.3 Audiência pública e devido processo legal. 2.4 Fundamento, natureza e qualificação. 2.5 Princípios. 2.6 Procedimento recomendado. 3 AUDIÊNCIA PÚBLICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 3.1 Lei nº 9.784, de 1999. 3.1.1 Considerações. 3.1.2 Outros modos de participação popular na função administrativa. 3.1.3 Natureza e fins da audiência pública. 3.1.4 Pressupostos para realização. 3.1.5 Participantes. 3.1.6 Resultados. 4 OUTRAS PREVISÕES DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. 4.1 No processo judicial. 4.2 No processo legislativo. 4.3 No Ministério Público. 4.4 Na Administração Pública. 4.4.1 Audiência pública e meio ambiente. 4.4.2 Na Lei nº 8.666, de 1993 (licitações e contratos administrativos). 4.4.3 Na Lei nº 8.987, de 1995 (concessão e permissão de serviços públicos). 4.4.4 Na Lei nº 9.427, de 1996 (concessões de energia elétrica). 4.4.5 Na Lei nº 9.478, de 1997 (agências reguladoras). 4.4.6 Na Lei nº 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

RESUMO

A audiência pública é uma das formas de participação e de controle popular da Administração Pública no Estado Social e Democrático de Direito. Ela propicia ao particular a troca de informações com o administrador, bem assim o exercício da cidadania e o respeito ao princípio do devido processo legal em sentido substantivo. Seus principais traços são a oralidade e o debate efetivo sobre matéria relevante, comportando sua realização sempre que estiverem em jogo direitos coletivos. A legislação brasileira prevê a convocação de audiência pública para realização da função administrativa, dentro do processo administrativo, por qualquer um dos Poderes da União, inclusive nos casos específicos que versam sobre meio ambiente, licitações e contratos administrativos, concessão e permissão de serviços públicos, serviços de telecomunicações e agências reguladoras. Constitui, ainda, instrumento de realização da missão institucional do Ministério Público e subsídio para o processo legislativo e para o processo judicial nas ações de controle concentrado da constitucionalidade das normas.

1.INTRODUÇÃO

O principal instituto da teoria do direito administrativo tem sido o ato administrativo. Todos os estudos e cuidados sempre se voltaram para o ato, como se ele se bastasse e existisse sozinho. Ultimamente, com o advento do Estado Social e Democrático de Direito, essas atenções passaram a se voltar para o processo administrativo (1), compreendendo-se, finalmente, que é através do processo que a função administrativa se realiza, e não do ato isolado, que, na verdade, é o resultado da atividade desenvolvida por intermédio daquele.

O Estado Democrático de Direito relaciona-se intimamente com o processo administrativo, que lhe serve de instrumento para o maior controle da atividade da Administração Pública, bem assim para viabilizar a participação popular na expedição do referido ato, de sorte que o princípio democrático consegue se consumar através do controle e da participação – os quais constituem as mais relevantes finalidades do processo administrativo (2).

Salienta Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (3) que o princípio da participação popular na gestão da Administração Pública pontifica na Constituição da República do Brasil de 1988, como exemplo, nos arts. 10, 187, 194, 194, VII, 198, III, 204, II, 206, VI e 216,§1º, bem assim os instrumentos de controle, como se vê, entre outros, no art. 5º, XXXIII, LXXI e LXXIII, e no art. 74, §2º. Essa participação do cidadão se implementa de várias formas, tais a presença de ouvidores nos órgãos públicos, criação de "disque-denúncia", audiências públicas e consultas públicas.

A audiência pública - um desses mecanismos de participação e controle popular e que constitui o objeto deste estudo - tem recebido da doutrina enfoques sob diversas óticas. Odete MEDAUAR (4) e Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO a apreciam quando explicam a instrução do processo administrativo, isto é, as "atividades de averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão" (5). Sérgio FERRAZ e Adilson Abreu DALLARI (6) vêem a audiência pública sob o prisma da publicidade, como veículo para "obter maior publicidade e participação" dos cidadãos, diretamente ou através de entidades representativas, no processo de tomada de decisão. Essa audiência é examinada por Vera C. C. M. SCARPINELLA BUENO (7), por sua vez, preponderantemente, sob o ângulo da simplificação e da eficiência do processo administrativo, democratizando e legitimando as decisões da Administração Pública.

Mostra-se interessante, assim, estudar a audiência pública no processo administrativo, particularmente a sua inserção na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, de 1999), bem como a previsão de sua realização para o desempenho de outras funções estatais, perscrutando sua natureza, características e finalidades.

2.AUDIÊNCIA PÚBLICA

2.1.O que é uma audiência pública?

Audiência pública é um instrumento que leva a uma decisão política ou legal com legitimidade e transparência. Cuida-se de uma instância no processo de tomada da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo. É através dela que o responsável pela decisão tem acesso, simultaneamente e em condições de igualdade, às mais variadas opiniões sobre a matéria debatida, em contato direto com os interessados. Tais opiniões não vinculam a decisão, visto que têm caráter consultivo, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as (8).

Na Administração Pública a audiência pública – instrumento de conscientização comunitária - funciona como veículo para a legítima participação dos particulares nos temas de interesse público. Então, de um lado, tem-se uma metodologia de esclarecimento de determinadas questões através da presença dos interessados, e, de outro, uma Administração que, anteriormente, se mantinha distante dos assuntos cotidianos dos cidadãos, e, agora, se preocupa com o interesse comum, a exemplo do serviço público de eletricidade (9).

Agustín GORDILLO (10) ressalta que a extensão do princípio da audiência individual ao princípio da audiência pública tem suas raízes no direito anglo-saxão, fundamentando-se no princípio de justiça natural – o mesmo que nutre a garantia de defesa nos casos particulares e o devido processo legal festejado nos Estados Unidos da América e na própria Argentina. Esse princípio, na prática, se traduz em que, antes da edição de normas administrativas ou mesmo legislativas de caráter geral, ou de decisões de grande impacto na comunidade, o público deve ser escutado.

O princípio da audiência pública, no direito argentino, onde é fartamente prestigiado, tem sede constitucional, constando, por exemplo, do art. 63 da Constituição da Cidade Autônoma de Buenos Aires (11):

"ARTÍCULO 63.- La Legislatura, el Poder Ejecutivo o las Comunas pueden convocar a audiencia pública para debatir asuntos de interés general de la ciudad o zonal, la que debe realizarse con la presencia inexcusable de los funcionarios competentes. La convocatoria es obligatoria cuando la iniciativa cuente con la firma del medio por ciento del electorado de la Ciudad o zona en cuestión. También es obligatoria antes del tratamiento legislativo de proyectos de normas de edificación, planeamiento urbano, emplazamientos industriales o comerciales, o ante modificaciones de uso o dominio de bienes públicos".

As audiências públicas previstas nesse dispositivo têm interessante detalhamento na Lei nº 6, ditada pela Legislatura da Cidade de Buenos Aires em 05/3/1998 (12), revelando seu objeto e finalidade nos cinco primeiros artigos, que merecem transcrição, considerado seu caráter geral:

"Artículo 1º - La presente Ley regula el Instituto de Audiencia Pública. La Audiencia Pública constituye una instancia de participación en el proceso de toma de decisión administrativa o legislativa en el cual la autoridad responsable de la misma habilita un espacio institucional para que todos aquellos que puedan verse afectado o tengan un interés particular expresen su opinión respecto de ella. El objetivo de esta instancia es que la autoridad responsable de tomar la decisión acceda a las distintas opiniones sobre el tema en forma simultánea y en pie de igualdad a través del contacto directo con los interesados.

Art. 2º - Las opiniones recogidas durante la Audiencia Pública son de carácter consultivo y no vinculante. Luego de finalizada la Audiencia, la autoridad responsable de la decisión debe explicitar, en los fundamentos del acto administrativo o normativo que se sancione, de qué manera ha tomado en cuenta las opiniones de la ciudadanía y, en su caso, las razones por las cuales las desestima.

Art. 3° - La omisión de la convocatoria a la Audiencia Pública, cuando ésta sea un imperativo legal, o su no realización por causa imputable al órgano convocante es causal de nulidad del acto que se produzca en consecuencia, quedando abierta la actuación judicial.

Art. 4° - El incumplimiento del procedimiento estipulado en la presente ley podrá ser causal de anulabilidad del acto, por vía administrativa o judicial.

Art. 5°- Las Audiencias Públicas son temáticas, de requisitoria ciudadana o para designaciones y acuerdos".

A doutrina brasileira, na expoente voz de Diogo Figueiredo MOREIRA NETO (13), define audiência pública como "um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação conceitual".

Mas, além de servir ao exercício da função administrativa, a audiência pública no Brasil se presta, também, para subsidiar o desempenho da função legislativa, conforme art. 58, §2º, II, da Constituição da República de 1988, da função judiciária (art. 9º, §1º, da Lei nº 9.868/1999) e da missão institucional do Ministério Público (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei nº 8.625/1993)."

Continua no site Jus Navegandi

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